segunda-feira, 21 de junho de 2010

Assédio Moral en Tempos de Cólera

Assédio moral em tempos de cólera

o número
de situações
de mobbing
aumentam com a crise.

Na Páginas
Amarelas, 0 processo
de reestruturaçao
tem motivado
ameaças
contra
trabalhadores e o
absentismo cresce


Textos JOANA MADEIRA PEREIRA


A jornalista tentou indagar sobre os
motivos daquela reunião, a 4 de Dezembro.
Desde as 17 horas dessa sexta-feira,
uma centena de trabalhadores da
Páginas Amarelas reunia-se à entrada
da sede, na avenida D. Joao II, em Lisboa.
Nao obteve respostas. Ninguém estava
disposto a contar que se tratava de
uma vigília de solidariedade pelos 97 colaboradores
a quem, no dia 17 de Novembro,
tinha sido proposta a resciçao
dos contratos laborais por mútuo acordo,
numa das ondas de reestruturação
que, desde 2005, varrem a empresa.
No meio das conversas, percebia-se a
indignação contra a direcção da empresa,
que procurava demover os trabalhadores
de se reunirem. Nessa altura, já
16 colaboradores tinham rescindido
contrato. Os outros não se conformavam
com as condições oferecidas, apesar
do apoio psicológico e do programa
de outplacement (recolocão profissional)
oferecido no pacote da rescição: 1,2
salários por cada ano de casa, calculado
sobre o ordenado-base. Na anterior
reestruturação, em 2007, as indemnizações
tinham chegado aos 2,2 ordenados
por ano de trabalho e os trabalhadores
nao iriam vergar-se por menos.
Sabiam o que os podia esperar. Em
2007, os processos disciplinares sucederam-se
a quem se mostrava descontente
com a reestruturação.
Quatro gerentes de equipa, da área de
vendas do Porto, foram despedidos por
justa causa depois de terem criticado o
corte nas regalias, que incluía a redução
ou a eliminação
dos prémios de produtividade.
Foram reintegrados na empresa
por ordem do Tribunal de Trabalho
e a Páginas Amarelas colocou-os no
escritório de Rio Tinto, na angariação
de novos c1ientes. Neste momento, trabalham
ai sete pessoas, quase todas
com processos.em tribunal e poucas tarefas
lhes são atribuídas.
Por isso, na vigília de Dezembro, não
quiseram falar com o Expresso, com
"medo que as coisas pudessem piorar",
explica um trabalhador que agora já não
se cala. Desde essa tarde, segundo a empresa,
cerca de 60% dos trabalhadores
referenciados rescindiram contrato e,
entretanto, para o final deste ano, foi
anunciada nova vaga de despedimentos,
que chega às quatro dezenas.
Os trabalhadores preparam-se para o
pior, pois já prevêem novas ameaças de
despedimento colectivo. Numa primeira
fase, foram dispensados do horário
laboral e mandados para casa. Aos poucos
regressaram e a direcção da Páginas
Amarelas impôs-lhes acordos de nomeação
interina. por um período de
seis meses, 0 colaborador desempenha
novas funções ou as mesmas que, anteriormente
desempenhava e, não tendo nota positiva
na avaliação, reintegra novamente o
processo de reestruturação.
Outros colaboradores foram colocados
em novos departamentos e na "dependência
de chefias intermédias que
controlam a hora de chegada e de saída
ao minuto, o número de idas a casa de
banho e ao cafe". Ha quem tenha sido
recolocado, sozinho, numa sala desactivada
onde anteriormente trabalhavam
várias dezenas de pessoas e há quem tenha
ficado sem telefone na secretaria.
Absentismo atinge picos
Detida pela PT % em 25% e pela belga
Truvo (75%), a Paginas Amarelas tem
cerca de 450 colaboradores e está a redireccionar
a sua actividade, passando
de uma empresa de impressão para a
Internet. Segundo o director-geral, Jose
Lema, "actualmente, 60% das suas
receitas provem dos produtos de Internet,
Mobile e GPS. Algumas das funções
anteriorrnente necessarias ao negócio
tornaram-se redundantes".
Parte dos serviços, como o departamento
de informática, esta a ser centralizado
na Belgica, "de modo a capitalizar
economias de escala", o que "exigiu
ainda a eliminação de postos de trabaIho
redundantes ao nível das vendas",
explica Jose Lema que, em Março,
anunciou a sua saida para a direcção de
marketing na central de operações da
Truvo, mas ainda não conseguiu arranjar
substituto.
Confrontado com as acusacões, o gestor
confirma que ''durante as negociações,
os colaboradores foram temporariamente
integrados em funções alternativas",
mas não concorda com os números
que dão conta de um aumento
significativo dos casos de baixa médica.
Se em Outubro de 2009, a média andava
pelas 30 baixas mensais, após o
anúncio dos despedimentos são entre
45 e 55 as pessoas que, mensalmente,
estão de baixa. Limita-se a dizer: "Relativamente
a possiveis casos de baixas
psiquiátricas.o nivel de absentismo entre
os colaboradores envolvidos nesta
reestruturacão manteve-se igual ao
que se registava anteriormente. Na medida
em que os profissionais médicos
nao comunicam à empresa a natureza
da doença que leva à baixa medica, a
empresa não tem bases para comentar
este tema".
Fonte da empresa garante que, "todos
os dias se conhece o caso de alguém
que ficou em casa. E não são apenas
os trabalhadores que estão no processo
de reestruturacão", revela. Aliás,
num dos varios documentos a que o Expresso
teve acesso mostra que o absentismo
por baixa médica, naquela organização.
subiu drasticamente a partir
de 2007: de cerca de 34 mil horas de
ausências para quase 72 mil, em 2008.
As ausências por doença já representam
cerca de 80% do absentismo.
"0 nível de absentismo subiu notoriamente
nos últimos dois anos, muitos colegas
recorrem a medicação para se defenderem
diariamente do stresse, da ansiedade,
das pressões e das depressões.
Nalguns casos viveram-se mesmo situações
dramáticas, com consequências
muito graves quando não sem reparação,
pode ler-se num relatório da Comissão
de Trabalhadores de 2007.
0 nome ainda assusta muitos ou é desconhecido
de outros mas segundo Fausto
Leite, especialista em Direito do Trabalho,
os processos em tribunal por assédio
moral ou mobbing, "dispararam
nos ultimos anos". 0 mesmo tem acontecido,
diz, em relação "a todos os crimes
•laborais". Não se sabe ao certo o
número, ja que 0 Ministério da Justiça
diz que "nao dispõe de dados com o
grau de detalhe pretendido, nao sendo
possivel identificar o contexto em que o
crime foi praticado".
Também a Autoridade para as Condições
de Trabalho (ACT) refere que os
seus dados "não reflectem a dimensão
do problema em Portugal" e avança alguns
números que dizem respeito apenas
às situações "em que se comprovou
a existência de assédio e em que o empregador
foi inspeccionado. 0 número
de queixas seria, porventura, muito
maior"; em 2008, foram três as situações
de assédio moral detectadas pela
ACT, um número que disparou para 16,
já em 2009. Este ano, por enquanto, fica-se
por uma ocorrência comprovada.
A crise explica a maior incidência dos
casos: “E a altura certa para as empresas
se livrarem das pessoas mais velhas,
mais experientes e que são, também, as
mais caras. São sobretudo essas “as vítimas
da crise", explica o advogado. Nas
grandes companhias, “as técnicas de
humilhação sao mais refinadas. Nas micro
e pequenas empresas, o assédio é
mais pessoal, às vezes mais doloroso",
refere. Mas, no essencial, as práticas repetem-se:
a restrição da liberdade do
colaborador, 0 seu isolamento e a desconsideração
pelo seu trabalho.
António de Sousa Uva, professor universitário
e especialista em Medicina
do Trabalho, diz que "em Portugal, 4%
a 5% dos trabalhadores são vitimas de
mobbing". Um valor que anda longe
dos 17%, apontados aos países nórdicos.
As consequências são nefastas: "Um
quadro de assédio desencadeia síndromes.
depressivos e distúrbios de ansiedade
insanáveis", refere.
economia@expresso.impresa.pt

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